Visitar a França está mais difícil: o número de brasileiros proibidos de entrar no país aumentou de 177 para 274 entre janeiro e fevereiro deste ano ante o mesmo período do ano passado, um crescimento de 55%, segundo o Consulado Geral da França em São Paulo. O Consulado Geral do Brasil contesta o dado, e diz que só os deportados pela Tam somaram 67 em janeiro, 116 em fevereiro e 206 em março — fora os que voltaram ao país pela AirFrance. A apuração é da Folha Online.
Os brasileiros são o terceiro povo mais rejeitado nos aeroportos franceses, atrás dos chineses e dos russos. A explicação oficial é de que a maior parte não tinha os documentos necessários para entrar no país [leia sobre eles num próximo post]. A hipótese de preconceito contra pessoas do Brasil foi descartada pela diplomacia da França. A Folha Online dá duas pistas para entender o movimento de negação: o programa anti-imigração ilegal do presidente Nicolas Sarkozy e a crise econômica, que tem diminuído a oferta de empregos.
As notícias sobre a crescente proibição da entrada de brasileiros na França começaram a ser veiculadas depois que a professora universitária Solange França divulgou carta em que conta seu sofrimento após ter sido barrada em Paris, em abril. O comunicado chegou a ser publicado em blog do jornal Libération, com críticas ao procedimento a que barrados são submetidos.
:: Texto de Solange França na íntegra, encontrado no blog de Luís Nassif:
"Planejei ir a Paris, em férias visitar um casal de amigos, fazer contato com outras instituições de ensino e pesquisa, e realizar o meu sonho de conhecer a França.
Sai de Ilhéus no dia 09/04/2009 às 12:32 com destino a Salvador, no vôo TAM 3660 (TAM Linhas Aéreas S.A). Às 23:00 sai de Salvador com destino a Paris, no vôo TAM 8068, chegando no Aeroporto Charles de Gaulle, às 14:00 do dia 10/04/2009.
Porém após sair da aeronave fui detida para conferência da documentação e encaminhada para uma sala do Departamento de Polícia da França (DPAF de Roissy). Uma policial francesa solicitou verificar passaporte, passagem aérea, dinheiro disponível, lugar onde me hospedaria e seguro. Para comprovar a hospedagem apresentei um “Attestation D’herbergement” (Certificado de Alojamento), emitido e enviado por email de Yves e Riviane Bellenand (casal de amigos que iria me hospedar). Informei que não havia feito seguro, mas apresentei o cartão de meu plano de saúde. Também apresentei contra-cheque do Governo do Estado da Bahia, do mês de março de 2009, onde conta que sou professora da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em atividade.
Sem muitos esclarecimentos, fui conduzida, juntamente com mais duas pessoas (uma moça e um rapaz), para o piso inferior do aeroporto, para uma outra sala do Departamento de Polícia da França. Na recepção desta sala se encontrava outro brasileiro.
Solicitei esclarecimentos ao policial da recepção, mas o mesmo mandou-me sentar, em um tom de voz ameaçador e agressivo. Neste momento, percebi que estava sendo expulsa da França e que não poderia pedir qualquer esclarecimento, pois isso era considerado uma agressão e poderia ter dimensões maiores, como a prisão em território francês.
Mais tarde um policial francês colocou luvas e solicitou para um dos brasileiros acompanhá-lo a outra sala. Uns dez minutos depois o outro brasileiro também chamado. Posteriormente chegou mais duas policiais francesas, que solicitaram a outra moça a ir para esta sala. Logo em seguida foi a minha vez.
Para esta sala fui conduzida com minha mochila e minha bolsa. Foi solicitado colocar tudo em cima de uma mesa e me afastar. Examinaram tudo que havia. Prenderam o meu passaporte e o dinheiro que eu possuía (200 reais, 100 dólares e 1.800 euros). Neste momento solicitei novamente esclarecimento sobre a expulsão. Uma das policiais mandou-me ficar quieta, novamente em tom ameaçador.
A outra policial, de certa forma, percebeu que realmente eu não era um risco para a segurança da França e de que haviam cometido comigo um excesso de rigor ao barrarem a minha entrada no seu território. Apresentei novamente a esta policial o meu contra-cheque, três cartões de crédito (Visa Ourocard Platinum, Mastercard Ourocard Platinum e Ourocard Gold, todos do Banco do Brasil), o certificado de alojamento e emails do professores e colegas de trabalho, com quem manteria contato mesmo em férias, visando um Pós-doutorado na França. Apresentei email de Henri Michel Pierre Plana (professor da UESC, francês, que se encontra na França, realizando Pós-doutorado no Laboratoire d’Astrophysique de Marseille), Michel Jean Dubois (francês, biólogo, que trabalha na WWW.intervivos.fr) e de Marcelo de Paula Correa (brasileiro, que está realizando Pós-doutorado no LATMOS - Laboratoire Atmosphères, Milieux, Observations Spatiales). Explique que não havia solicitado carta convite para visitar estes laboratórios, pois estava em férias, mas mesmo como turista e como Gerente de Pesquisa da UESC, também manteria contatos profissionais visando um Pós-doutorado e a articulação com instituições francesas de convênios para a submissão de projetos ao Sétimo Programa-Quadro para a Investigação e Desenvolvimento Tecnológico da Comunidade Européia. Ao questionar esta policial, de como reverter a situação, a mesma informou que isso só seria possível através da Embaixada do Brasil na França, e de que na sala em que eu estaria presa havia um telefone que poderia usar. A mesma me forneceu o telefone da Embaixada (01 43 59 89 30).
Fui conduzida para esta sala de detenção que já contava com outras cinco pessoas também presas, somente com a roupa do corpo e uma folha de papel com o telefone da Embaixada e dos meus amigos Henri e Riviane. Minha mochila e bolsa ficaram no chão, em um corredor de acesso a esta sala, e o meu passaporte e dinheiro foram retidos pela polícia francesa.
Ao ligar para o número que seria da Embaixada do Brasil na França, fui informada de que no catálogo telefônico o número está errado, e que o número correto seria 01 43 59 89 30. Este número não atendeu. Consegui outro número que era 01 45 61 63 00, onde fui informada de que a Embaixada estava fechada e de que havia um plantão no Consulado do Brasil, cujo número era 06 80 12 32 24. Este número na verdade, era uma secretária eletrônica em que você deixa mensagem. Expliquei então para uma secretária eletrônica minha situação. Presa no Aeroporto de outro País, desesperada, precisando de ajuda Oficial Brasileira e só consigo falar com uma secretária eletrônica.
Em um único telefone, em uma sala de prisão juntamente com outras quinze pessoas, consegui então falar com meu amigo Henri (que estava em Marseille), lhe pedindo ajuda e de entrasse em contato com a Embaixada do Brasil na França e como meus amigos Yves e Riviane, que se encontravam no Aeroporto Charles de Gaulle tentando resolver o meu problema.
O tempo vai passando, algumas pessoas desesperadas, outras chorando, em uma sala pouco limpa, onde só havia espaço para uma dez pessoas sentarem, com um único telefone disputado por todos, realmente o nervosismo, a insegurança e o desespero vão aumentando. Então, acho que pelas 17:00 (não tinha relógio) chega a comida em uma sacola: uma lata de salada com atum, um pedaço de pão, um saco de batata frita, uma água e um doce cremoso banana e pêssego (utilizado para escrever números de telefone nas paredes da sala de prisão).
Por volta das 18:00, fomos todos conduzidos novamente para a sala do Departamento de Polícia, onde uma interprete iria nos informar sobre nossa expulsão. Várias pessoas desesperadas, querendo esclarecimentos, mas na verdade era apenas mais uma formalidade, onde fomos informados que sairíamos da França no primeiro vôo e de que o que tínhamos mesmo a fazer era assinar o termo de recusa de entrada (Refus d’entree), composto de cinco páginas, escrito em francês.
Retornamos para a sala de prisão, consegui falar pelo telefone com um funcionário do Consulado do Brasil, que já sabia da minha situação através da mensagem na secretária eletrônica e por conversa com meu amigo Henri. Fui então informada de que ele não poderia fazer nada e de que deveria mesmo retornar ao Brasil. Também consegui falar pelo telefone com meus amigos Yves e Riviane, que se encontravam no aeroporto, e já haviam feito duas tentativas frustradas de comprovar de que eu iria me hospedar na casa deles.
Por volta das 21:00 do dia 10/04/2009, a policia francesa entregou o meu dinheiro e fomos, um grupo de dezessete brasileiros, escoltados por dez policias franceses ao portão de embarque, para retornarmos ao Brasil no vôo TAM JJ 8055 com destino ao Rio de Janeiro. Ao chegar ao Rio de Janeiro, funcionários ineficientes e preconceituosos da TAM entregaram o meu passaporte e fui conduzida a Polícia Federal Brasileira e posteriormente para embarcar no vôo TAM JJ 8068 com destino a Salvador, onde peguei o vôo TAM JJ 3660 com destino a Ilhéus. No Aeroporto do Rio de Janeiro, eu teria de pegar a minhas bagagens, mas fui informada de que as mesmas não haviam vindo, e de que seria necessário realizar o preenchimento do formulário de Irregularidade de Bagagem, para que posteriormente as mesmas me sejam entregues (até o momento, dia 13 de abril, ainda não as recebi). Enfim, depois de 75 horas horríveis, novamente Ana Cristina Shilling estava me aguardando carinhosa e solidariamente no Aeroporto de Ilhéus.
Agradeço muito aos amigos Henri Michel Pierre Plana, Yves Bellenand e Yves e Riviane Bellenand, que na França tentaram resolver este enorme transtorno.
Agradeço muito a solidariedade dos amigos franceses Yvonnick Le Pendu e Michel Jean Dubois.
Agradeço a amiga Ana Cristina Shilling por estar disponível em momentos muitos difíceis.
E agora realizo vários questionamentos:
1. A agência de viagem deveria ter me informado sobre toda a documentação necessária para a realização da viagem. Esse questionamento eu realizei no momento da compra da passagem.
2. A TAM Linhas Aéreas S.A, que realiza os vôos internacionais deveria informar aos seus clientes a documentação necessária para a realização da viagem.
3. A Embaixada do Brasil e o Consulado do Brasil não estavam funcionando na sexta-feira e o seu plantão, não mostrou o mínimo interesse em resolver a situação.
4. Não se pode mais visitar amigos em férias? É obrigatório nos hospedarmos em hotéis?
É um texto logo, mas não representa à grande frustração, o medo, a insegurança, o desrespeito, o preconceito que vivi durante estas 75 horas.
Neste momento gostaria que as autoridades brasileiras tomassem conhecimento do acontecido e também manifestem um esclarecimento.
O que era para ser também um presente de aniversário gerou muito sofrimento.
Não estou afim de conversar no momento sobre o assunto.
Um grande abraço,
Solange França"
2 comentários:
Impressionante o relato da professora universitária... com certeza ela coloca na justiça e ganha muito dinheiro por danos morais. Pelo menos isso! é lamentável a falta de respeito dos franceses com os brasileiros. Nunca iríamos fazer isso com eles, mesmo sabendo que isso aconteceu com a professora. Isso porque somos hospitaleiros e temos educação!!
Nossa!!! Se isso aconteceu com uma professora universitária, imaginem com os outros??? Vou para a França visitar uma amiga e estou com muito medo agora.
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